segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Não Recicle Sentimentos

Segunda, 27 de Setembro

Querido R, 


Não use com amores diferentes os mesmos hábitos, os mesmos gestos. As pessoas são diferentes e por obrigação temos que diversificar nossa forma de amá-las. Não chame seus amores com o mesmo apelido. Invente novos. Um para cada novo amor, mesmo que pra isso você passe noites em claro procurando novos jeitos de chamá-lo. Não ouse cantar para um novo amor uma música já usada pra um amor antigo. Amores novos exigem novas trilhas sonoras. Procure novas canções. Existem tantas. Pra quê economizar? Se ainda assim isso não for suficiente, componha uma, mas nunca use aquela que você já cantou pra alguém. Não repita frases de amor. Mesmo que elas sejam boas, ninguém é tão indigno para merecer algo que já foi dedicado pra outro alguém. Existem tantas outras citações bonitas de amor, e tantas palavras no dicionário esperando para compor uma bela frase que chega a ser desperdício não usá-las. Não dê os mesmos presentes, não use a mesma cantada, nem convide para os mesmos lugares. Não telefone pelas mesmas razões, nem mande as mesmas mensagens. Não recicle jeitos de amar, porque fazendo isso, sem querer você recicla sentimentos. Você condiciona alguém a viver o mesmo amor que você já viveu antes. Procure um novo jeito de abraçar, um novo lugar do corpo pra explorar, um novo modo de beijar, um novo ângulo para olhar. Um pra cada amor. Tanto pros duradouros quanto pros amores de verão. Todo mundo merece exclusividade e originalidade no jeito de ser amado. Ame cada pessoa como se não houvesse amado ninguém antes e sem uma previsão de amores futuros. Gaste com essa pessoa todo o seu estoque de palavras bonitas, músicas românticas e presentes, sem se preocupar. Se vier um novo amor, haverão novas palavras, músicas, presentes e ações inéditas prontas para serem usadas.
Com carinho,
P.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Boêmia apaixonada

Quinta, 16 de Setembro

Querido Leitor,



É quase sublime a dor de uma paixão acabada. Pode soar sádico, mas eu aprecio tremendamente as pessoas que sofrem depois que são deixadas por quem amam.  Afinal, é muito fácil você achar beleza em um casal apaixonado, que trocam poemas, carícias, e juras de amor. Todo mundo acha isso bonito. Mas e a beleza de alguém que além de amar se dispõe a sofrer por esse amor? Se entregar sem medo de sofrer é raro. E mesmo assim, ainda há aqueles que correm esse risco, assinam esse contrato, e de fato sofrem no final de tudo. Eu não sinto pena de pessoas assim e nem digo pra que elas saiam dessa situação. Eu as admiro, elogio, me junto a elas, ouço suas mágoas e as incentivo pra que elas continuem tendo a mesma sensibilidade, amando e sofrendo do mesmo jeito, porque esse tipo de amor está em extinção. Curtir a boêmia, do mesmo jeito que os poetas românticos do século XIX, é resgatar aquele amor ideológico, necessário, exagerado e belo. Sofrer por alguém que se ama é como ter por merecimento um lugar no céu. Porque é a maior prova de doação em detrimento de alguém que nem ao menos se importa. É oferecer seu melhor ao ponto de ir morrendo aos poucos por não ser correspondido. Já dizia Jorge Amado que de amor não se morre, se vive. Mas certamente o que ele esqueceu de mencionar é que essa morte é morte súbita, mas no caso do amor é mais cruel, é morte que definha, que vence pelo cansaço, de tanto fazer sofrer. Viver esse amor é correr atrás de um trem com flores nos trilhos, implorando pra que aquela pessoa volte. É continuar acreditando mesmo quando tudo mostra que não tem mais jeito. É entender isso da pior maneira possível, e se entregar pra morrer por não ver mais outro motivo que justifique a sua existência. É embebedar-se do álcool dos abandonados, dos corpos mais estranhos, dos venenos existenciais, do subjugar alheio, da vergonha pela fraqueza, do sentimento de perda, das doenças causadas pelo abandono, dos devaneios. É juntar tudo num cálice só, virar sem pena de si, emborcar o copo, pedir a conta, e ir para o próximo bar.

Com umas doses de solidão,
P.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Meu mundo e nada mais.

Terça, 07 de Setembro

Querido remetente,



         Eu coloco meus fones de ouvido e saio do mundo palpável. Eles são o limite entre esses mundos distintos. Saio de um insano e fulgaz para atingir um plano mais encantador. Assim fica fácil ficar inerte aos problemas corriqueiros. Quando ocupo meus ouvidos com a música que me faz bem, o resto lá fora indifere e somos apenas eu e meu som preferido. Gosto dessa sensação de ignorar todos os outros sentidos e só usar a audição para adentrar na sintonia de uma frequência só minha. Eu ponho meus fones e tudo faz mais sentido. Não preciso explicar ou justificar nada a ninguém e não há necessidade de mais nada. E assim como os fones, junto meus óculos escuros pra eu me desligar do mundo real. Por eles, eu vejo as mesmas coisas, porém com um ângulo de um observador que não participa da história, como se olhasse por uma janela e do lado de fora ninguém pudesse me ver. Óculos escuros são máscaras, que nos protegem do sol e do mundo que apenas vemos passar pelas lentes. A verdade é que ver o mundo como ele é e senti-lo na sua realidade chateia, enfada e faz desacreditar. Por isso, gosto de de meios que me transporte para meu universo paralelo. Estar em um mundo, participando de outro criado, é previlégio de quem quer ser além de humano, dono de mundos particulares.  

Pra mim, 
P.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Obsolescência Necessária

        Aqueles velhos costumes vão se tornando obsoletos. Até as roupas que aderiram o formato do corpo já estão fora de moda. E os pensamentos e desejos vão mudando de opinião. Porque tudo muda e tende a melhorar. E os velhos hábitos vão ficando fora do contexto diante de cada nova realidade. Agora eu sei que mudar é mais natural do que pensamos. É sutil, quase instantâneo. Somos eternas metamorfoses, buscando sempre algo mais colorido e atraente do que aquilo que possuímos. As coisas velhas, as roupas, os recortes de jornal e as fotos vão ganhando um lugar especial. Aquele lugar em que vamos quando queremos nos orgulhar do que um dia fomos. Porém, no presente, essas lembranças apenas coexistem. Elas não têm existência própria. Não há nenhum problema nas coisas tornarem-se obsoletas. Aliás, isso é necessário para dar lugar às coisas novas que se adequam melhor ao nosso presente. As velharias, quinquilharias e tralhas fazem parte de um mundo seguro que o tempo não dissolve, e é lá que devem permanecer, porque o mundo em transe é novo a cada novo amanhacer. E entre tantos mundos, o irreal salta aos olhos e o real é vivido a cada dia da semana.