domingo, 31 de outubro de 2010

Ensaio sobre a tristeza

Domingo, 31 de Outubro
Querido Leitor,




Em pensar que de tantos sentimentos que se pode sentir, eu escolhi a tristeza. Porque de uma certa forma, ela preenche. A tristeza está tanto no recôndito da alma quanto na superfície da pele. Lá é seguro, e sobretudo sincero. Não é preciso forçar um sorriso, nem responder bom dia quando o dia não está tão bom assim. A tristeza é exata, como na música de Renato Russo. Ela anuncia a chegada, e fica por tempo determinado. E chega a ser belo se sentir triste. Se isolar num canto e se abraçar por faltar um abraço recíproco. Usar a voz reflexiva, conjuga-la por falta de coisa alegre.  A tristeza é sutil, é simples. E por isso, bela. E quem disser que é ruim sentir-se triste, mente. Porque a tristeza é opção própria. É fuga de realidade, é coração que vive de ócio ou da falta dele. Mas na verdade, tudo é motivo pra tristeza. Um amor que vai, um amor que não vem, ou simplesmente uma noite de sábado sem planos. Triste são os Invernos desacompanhos, os Verões de agenda lotada, os outonos sem prestar atenção nas folhas que caem, primaveras sem flor. Triste é gente demais, falta de ar. Gente de menos, solidão. Triste é desilusão, morte, falta de vontade. Triste somos nós, meros mortais, que passamos a vida inteira buscando algo que não sabemos o nome, nem se já encontramos, quando encontramos. Triste é correr, correr, correr e descobrir que sempre acabamos voltando pro mesmo lugar. Triste é o desassossego ou sossego demais. é dia chuvoso, é a televisão. Sentir-se triste é banal, sabê-lo é divino. Há beleza no admitir a tristeza. Responder com convicção que se está triste, chorar por isso, não enxugar as lágrimas, sair na rua, olhar as pessoas e ainda sentir-se triste. Tristeza egoísta. Não deixar pra lá, não pedir desculpas pela má companhia, compartilhar a tristeza e disseminá-la. Somos tristes por natureza, nascemos chorando, e continuamos chorando até os nossos últimos dias. E não há mal nenhum em machucar o próprio coração, causar em si espasmos múltiplos de recolhimento e alto punição. É humano, como nós. E no nosso manual, é na tristeza que nos conhecemos melhor, que aprendemos a nos respeitar, e ver o quanto somos insignificantes diante a magnitude da vida. é na tristeza que ficamos melhores, fortes e complacentes com o acaso de viver.

Com tristeza,
P.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Tão longe da próxima esquina.

Sexta, 15 de Outubro

Querido Leitor,



Eles conversavam desimportâncias. E ai, no escuro, no momento em que as almas alheias param, e passam à categoria de coadjuvantes, ele pegou suavemente no rosto dela, o virou lentamente e a beijou. E Ela deixou que aquilo acontecesse.  Nunca tinha passado por um momento tão mágico. E por uns instantes, ela viu ali uma possibilidade de viver algo especial que não partisse dela. Depois de tanto tempo sem ser conquistada, se sentiu como uma dama. Como se fosse cortejada por um príncipe. Quando se deu conta de si, a única coisa que conseguiu falar foi que ali não era o lugar. E depois de risos envergonhados, e algumas leviandades sobre sedução, eles mudaram de assunto. Até a despedida. E como tem situações em que a despedida pode ser maravilhosamente boa, aquela foi um exemplo disso. Ele ia entrar na próxima rua à direita, e ela iria para o outro lado. Eles se abraçaram e quando os rostos parearam, a respiração ofegou e ele perguntou afirmando se aquele era o lugar, sem esperar resposta. E aquela esquina presenciou um dos beijos mais românticos já protagonizados na história daquela rua. A esquina foi o lugar ideal, para uma história de poucos segundos. E numa união de bocas, olhos fechados e nenhum pensamento a vista, tudo se tornou silêncio e todos os expectadores invisíveis encheram os olhos ao ver a cena. Nenhuma desculpa, sem mais ou menos, tudo claro. Depois disso, nunca mais se voltou a falar do assunto. Foi o instante mágico mais singelo entre dois quase estranhos, que se conservou apenas na memória dos dois, pra que o tempo não levasse embora. E mesmo com tantas miragens, os dois tornaram-se uma verdade impossível, um crime perfeito, os dois culpados, e felizes por isso. Ele foi embora sem dizer adeus, e ela ficou sozinha e cheia de saudades sempre que aquela esquina indiscreta lhe sorria confidente, lhe enchendo de esperança de que ele um dia vai voltar. Ela só o queria por perto.

Com desilusão,
P.