Mais de 230 pessoas mortas numa boate em Santa Maria. Causa
da morte: fumaça. E ao saber do ocorrido, como todos os brasileiros, eu senti.
Pelas famílias, pelos amigos, mas principalmente pelas vítimas, fumantes ou
não, que tiveram suas vidas interrompidas por causa da fumaça. Não morreram
queimadas, ou pisoteadas, pelo menos não a maioria. Morreram asfixiadas pela
fumaça.
Porém elas não foram as únicas a morrer desse jeito
estúpido. Mais de 200 mil pessoas morrem por ano no Brasil cheias de fumaça, é
uma média de 23 pessoas por dia. E o que é pior: Elas morrem conscientemente, é
praticamente um suicídio em massa, como aqueles que acontecem do outro lado do
mundo.
Todo dia, vejo amigos meus se matando, inalando mais de um
milhão de toxinas embaladas e vendidas baratinho em qualquer esquina. Todos nós
sabemos do suicido, somos cúmplices, mas ninguém toca no assunto, nunca.
O vício pelo cigarro é o dos mais egoístas e estúpidos. Ele
envolve quem fuma, quem tá perto, quem ama a pessoa que fuma, quem depende dele. É um
pai que encurta a convivência com seus filhos, é um parceiro que não liga em
deixar sua mulher viver sozinha, é um amigo que só pensa em aproveitar a noite.
É a vida resumida a um monte de fumaça, como na tragédia em
Santa Maria. São nossos amigos morrendo lentamente do nosso lado enquanto
acendem um cigarro e conversam tranquilamente sobre o clima.
São pessoas que começaram porque algum amigo ofereceu,
depois passou a achar legal, só em festas, depois de alguns drinks, nada
demais. E sem perceber, foi até a esquina e comprou sozinho um maço de
cigarros, que fumará durante a semana, que depois será de dois em dois dias. E
quando menos se dá conta, não fica mais sem.
E ai encontra motivos: Pra não se sentir só, pra acalmar,
por terapia, por ócio, por vontade, por costume, e em pouco tempo, por
necessidade.
E como é triste ver a fumaça cinza encher o ambiente de
morte e escancarar o seu poder destruidor pelo ar. A fumaça faz lembrar do
quanto somos inúteis diante das fatalidades, e também diante das tragédias
anunciadas e completamente previsíveis. A fumaça tomou conta de Santa Maria, e
vive tomando conta das rodas de amigos, dos bares, das ruas, das casas. Só que
disfarçadas de risos, de música boa, de conversa animada. Pode observar, quase
sempre ela está presente, mostrando que é só questão de tempo até ela tomar
conta de tudo. Fumaça não é vapor de água, é anúncio de que há fogo.